quarta-feira, 16 de junho de 2021

A Ditadura da Minoria - 2a e Última Parte

Renormalização

Para analisar como a minoria aumenta suas preferências sobre as vontades da maioria emprega-se um método chamado de grupo de renormalização, um poderoso aparato da matemática, que permite investigar como as coisas aumentam (ou diminuem) na regra da minoria. 



A Figura 1 mostra uma sequencia de caixas semelhantes que apresentam as mesmas propriedades do conjunto de Cantor (https://pt.wikipedia.org/wiki/Conjunto_de_Cantor). Cada caixa contém quatro caixas menores. Cada uma das quatro caixas menores contém mais quatro caixas menores ainda, até chegarmos a um determinado nível de tamanho. Essa figura denota uma autosimilaridade fractal (https://pt.wikipedia.org/wiki/Fractal). Na 1ª caixa existem duas cores: amarelo para a maioria, e rosa para a minoria.

A 1ª caixa da figura está dividida em 4 caixas menores, onde cada caixa está em um quadrante do plano cartesiano cujo centro é o mesmo da caixa maior. Por sua vez, a caixa do quadrante IV (corresponde a caixa que está na parte de baixo a direita) está dividida em outras 4 caixas menores, sendo que uma delas está na cor rosa. Suponha que a caixa do quadrante IV represente uma família de quatro pessoas. Um delas está na minoria intransigente (caixa rosa contida no quadrante IV) e come apenas comida AGM free (Alimentos Geneticamente Modificados). Os outros membros da família estão na cor amarela. Suponha que a filha teimosa (caixa rosa contida no quadrante IV) consegue impor sua regra aos outros três membros e, consequentemente, a unidade (família) assume a cor toda rosa, ou seja, opta por comida AGM free (2ª caixa da figura). Houve então a primeira renormalização.  

Agora, suponha toda a família indo para um churrasco com a participação de outras três famílias. Como eles são conhecidos por comer apenas AGM free, os anfitriões cozinharão apenas comidas não modificadas geneticamente. A mercearia local percebendo que a vizinhança agora é apenas comedora de AGM free, resolve vender este tipo de alimento para simplificar a vida, o que impacta no atacadista local, e as histórias se repetem e se “renormalizam”. A última caixa da figura (enésima caixa) está toda na cor rosa após várias renormalizações.

O físico francês Serge Galam (https://en.wikipedia.org/wiki/Serge_Galam) foi o primeiro a aplicar essa técnica de renormalização às questões sociais e à ciência política. Imagine que um partido de extrema esquerda ou de direita tem o apoio de dez por cento da população. Então, seu candidato teria dez por cento dos votos? A resposta é não. Esses eleitores da base devem ser classificados como "inflexíveis" e sempre votarão no candidato do seu partido. Mas alguns dos eleitores flexíveis também podem votar nesse partido e essas pessoas são as únicas a serem observadas, pois podem aumentar o número de votos para o partido extremista. Os modelos de Galam produziram uma série de efeitos contra intuitivos na ciência política e suas previsões mostraram-se muito mais próximas dos resultados reais do que o consenso da maioria.

No exemplo anterior da família e da renormalização foi visto o efeito do “veto”, ou seja, uma pessoa em um grupo pode orientar as escolhas. Isto explica por que algumas cadeias de fastfood, como o McDonald's, prosperam, não porque oferecem um ótimo produto, mas porque não são vetadas em um determinado grupo sócio-econômico. Quando há poucas escolhas, o McDonald's parece ser uma aposta segura. Pizza é a mesma história: é uma comida aceita comumente para refeição noturna, pois ninguém ficará aborrecido por comer pizza no jantar.

Nassim Taleb concluiu que todo o crescimento da sociedade, seja econômica ou moral, vem de um pequeno número de pessoas. O risco de incertezas tem um papel preponderante na condição da sociedade. A sociedade não evolui por consenso, votação, maioria, comitês, reuniões verbais, conferências acadêmicas e pesquisas. A sociedade evolui quando poucas pessoas são suficientes para mover o mundo de maneira desproporcional. Tudo o que se precisa é de uma regra assimétrica em algum lugar, e a assimetria está presente em quase tudo.


 

segunda-feira, 14 de junho de 2021

A Ditadura da Minoria - 1a Parte

Em agosto de 2016 Nassim Taleb escreveu um artigo interessante, em inglês, sobre a ditadura da pequena minoria. Nassim Taleb é um autor de livrosestatístico e analista de riscos (https://en.wikipedia.org/wiki/Nassim_Nicholas_Taleb). Seus livros tratam das incertezas e dos eventos imprevisíveis. Pessoas e empresas podem se beneficiar e até crescer com certos eventos imprevisíveis, segundo ele. Uma interpretação resumida do artigo de Nassim é apresentada a seguir.

Há situações em que uma minoria intransigente, talvez 3% ou 4% da população total, é suficiente para submeter suas preferências a todos indivíduos. Um observador ingênuo ficaria com a impressão de que as escolhas e preferências são as da maioria, mas não são. Parece absurdo. Instituições acadêmicas e científicas não estão preparadas para identificar esse tipo de comportamento e fazem julgamentos precipitados, principalmente quando os sistemas são complexos.

A idéia principal por trás de sistemas complexos é que todo o conjunto se comporta de maneira não prevista pelos componentes. As interações importam mais do que a natureza das unidades. Por exemplo, estudar formigas de forma individual nunca nos dará uma idéia de como funciona a colônia de formigas. Para isso, é preciso entender uma colônia de formigas, como ela se comporta. Isso é chamado de propriedade "emergente" do todo, pela qual partes e todo diferem, porque o que importa são as interações entre as partes. As interações podem obedecer a regras muito simples. A regra discutida neste artigo é a regra da minoria.

A regra da minoria mostra que é preciso ter um pequeno número de pessoas intolerantes, mas virtuosas, corajosas e arrojadas, para a sociedade funcionar adequadamente. Exemplos da regra da minoria são dados a seguir.

Uma pessoa com deficiência não usará o banheiro regular, mas uma pessoa sem deficiência usará o banheiro para pessoas com deficiência”. Na prática, às vezes hesitamos em usar o banheiro para deficientes sob a crença de que o banheiro é reservado para uso exclusivo deles.

Alguém com alergia a amendoim não vai comer produtos que tenham como ingrediente o amendoim, mas uma pessoa sem tal alergia pode comer produtos sem traços de amendoim”. Isto explica por que é tão difícil encontrar amendoins em aviões.

Uma pessoa honesta nunca cometerá atos criminosos, mas um criminoso pode se envolver prontamente em atos legais”. Lampião e Pablo Escobar são exemplos.  

A minoria forma um grupo intransigente e a maioria um grupo flexível. A regra é assimétrica em relação às escolhas. Mas para que a regra da minoria aconteça, duas coisas são importantes. Primeiro, a estrutura espacial da distribuição da minoria. Faz uma grande diferença se os intransigentes estão em seu próprio bairro ou se estão misturados com o resto da população. Por exemplo, se as pessoas que seguem um governo minoritário vivem em guetos, com sua pequena economia separada, então a regra da minoria não se aplica. Mas, quando uma população tem uma distribuição espacial uniforme e a proporção de tal minoria é a mesma no bairro, cidade, estado e país, então a maioria (flexível) poderá se submeter à regra da minoria. Em segundo lugar, a estrutura de custos é importante. Por exemplo, uma indústria de alimentos que oferta produtos AGM (alimentos geneticamente modificados) e AGM free (naturais). Se a diferença de custos na produção desses alimentos for pouca, então é preferível produzir somente AGM free, uma vez que atende tanto a maioria flexível quanto à minoria intransigente. 

terça-feira, 8 de junho de 2021

O Préstito do Padre Pedro

O Padre Pedro José de Castro e Silva faleceu em 29/01/1890 em Fortaleza. Era um homem muito rico, com várias propriedades e residia, na época da sua morte, a Rua Senador Pompeu, antiga Rua da Amélia, do lado da sombra no número 210. Muito antes comprara oito casas vizinhas e conjugadas a sua e dera para cada um dos seus filhos.

Já muito adoentado, no leito da morte, mandou chamar o tabelião de Fortaleza, bem cedo ao raiar do dia, para fazer o testamento. Este o encontrou já nos últimos estertores. Recebeu e registrou os legados dos filhos (o Padre os chamava de sobrinhos), que saíram por entre soluços da pré-agonia.

Gustavo Barroso em seu livro Liceu do Ceará (*) conta que o tabelião disse ao padre que tinha conhecimento da existência de um herdeiro legítimo, não nomeado no testamento, e que era dever dele lembrá-lo para que não houvesse omissão.

O Padre indagou em voz sumida:
- Quem é?

O tabelião nomeou-o:
- O Dr. Manuel Ambrósio da Silveira Torres Portugal, seu sobrinho.

O moribundo recostou-se mais nos travesseiros e, fazendo o gesto vulgarmente chamado de armas de São Francisco, expirou com essas palavras:
- Deixo-lhe uma banana!

Por essa razão, em Fortaleza, quando se perguntava a alguém o que havia deixado um parente rico acabado de morrer, a resposta era fatal: uma banana!

Esse rancor do Padre, transformado em cólera, ao sobrinho era reflexo de sério desentendimento que tivera com seu cunhado, o português Manuel Antonio Torres Portugal, pai de Manuel Ambrósio, por questões financeiras e de propriedade. O português o acusara de vender seu estabelecimento situado na cidade de Jardins, CE, e de não ter recebido o dinheiro da venda. Por sua vez, o padre o acusava de ser ingrato, pois o ajudara na sua chegada e instalação em Fortaleza vindo de Portugal. Essa desavença se estendeu por vários anos.

O velório começou no domicílio do Padre no mesmo dia e foi até o fim da tarde do dia seguinte à espera do filho que morava na região de Redenção, Ce. Puseram o caixão na sala de visita, ladeado por quatro velas enormes que deveriam arder até o fim e na porta de entrada da casa uma negra cortina com uma grande cruz prateada ao centro. Irmãs, filhos e filhas, cunhados e cunhadas choramingavam pelos cantos, rezando o terço freneticamente. A noite foi longa, a espera do dia seguinte.

Naquela época não existiam automóveis para derradeira viagem. Os enterros eram verdadeiras procissões, a pé, que podiam se estender por quilômetros. No dia seguinte, abria o préstito uma cruz negra de cujo pedestal pendia uma saia, que era um pano de veludo preto com franjas douradas. A frente ia o cura da Sé (catedral) paramentado e dois coroinhas, e logo atrás vinha o féretro, levado por quatro homens, vestidos de casacas compridas pretas, com cartolas de oleado reluzente e calças com listras vermelhas. Esses homens eram chamados de Gatos-Pingados.

Otacílio de Azevedo conta no seu livro Fortaleza Descalça (**) que os Gatos-Pingados eram um dos aspectos mais curiosos da Fortaleza antiga. Eram contratados para levar o defunto ao cemitério. O pesado esquife era equilibrado sobre duas tábuas em cujas pontas havia aldrabas seguras pelas mãos enluvadas dos sinistros carregadores, num ritmo macabro e cadenciado. O caixão dançava naquelas mãos num vaivém funambulesco, arrancando lágrimas nos olhos da população curiosa que se aglomerava no trajeto até o cemitério. Quando o cortejo era pequeno, costumava-se dizer “não deu quase ninguém, só alguns gatos pingados!”. Creio que o nome dado se deve a duas coisas: a vestimenta preta, como se fosse um gato preto, representa a má sorte que atingiu o defunto e o pingado é a cachaça (pinga) que esses homens tomavam antes e depois do enterro.   

O acompanhamento foi feito por homens e mulheres, todos de luto, silenciosos e compungidos. A procissão se estendeu por quase 1.000 metros, ao longo da rua das Flores, hoje rua Castro e Silva, (daí talvez a origem do antigo nome da rua). Tão grande percurso, realizado sob as intempéries da natureza e sobre um calçamento pouco convidativo às longas caminhadas, assumia contornos de sacrifício. Em certo momento, um dos gatos-pingados tropeçou em uma das pedras soltas e quase caiu, mas ajudado pelos outros o cortejo logo seguiu. A noite se aproximava e tochas e archotes foram acesas, costume antigo e lúgubre. O ritmo era tão lento que parecia que os vivos não tinham pressa em se verem livres dos mortos, nem estes pressa em se verem livres dos vivos.

Terminado o préstito, os acompanhantes retornaram pesarosos, silenciosos e tristes. No dia seguinte os parentes do Padre adotaram os costumes da época. Durante um mês, a família só saia de casa para assistir a missa do sétimo e do trigésimo dia. Só escrevia cartas tarjadas de preto e usava luto fechado – os homens, terno preto, inclusive a camisa, as mulheres, vestido comprido e totalmente negro, a cabeça coberta com um véu. Naquela época, desoladas viúvas e viúvos trajavam luto fechado pelo resto da vida.

O próximo artigo abordará estórias e “causos” do padre Pedro.

(*) BARROSO, Gustavo. Memórias. Liceu do Ceará. 3. ed. Fortaleza: Casa de José de Alencar - UFC, 2000.

(**) AZEVEDO, Otacílio de. Fortaleza descalça: reminiscências. 2. ed. Fortaleza: Casa de José de Alencar - UFC, 1992

 

 

segunda-feira, 31 de maio de 2021

Os Vários Ramos da Família Castro

Não se pode considerar que todos os Castros existentes no Brasil, mesmo procedentes de Portugal, sejam parentes, porque são inúmeras as famílias que adotaram este sobrenome pela simples razão de ser de origem geográfica. Abaixo alguns ramos da família Castro.

Família CASTRO BARBOSA
Importante família estabelecida em Minas Gerais. A união dos dois sobrenomes teve princípio em Antônio Luiz Barbosa da Silva, da importante família Barbosa da Silva de Minas Gerais.

Família CASTRO CAMARGO
Família estabelecida em São Paulo. A união dos dois sobrenomes teve princípio no Sargento-mor Miguel Ribeiro de Camargo, natural de Curitiba, Paraná.

Família CASTRO CANTO E MELO
Importante e nobre família originária das ilhas portuguesas estabelecida em São Paulo, para onde passou o brig. João de Castro Canto e Mello [1740, Ilha Terceira – 1826, SP], filho de João Batista de Canto e Melo e de Isabel Rickettes. A marquesa Domitila de Castro Canto e Mello [27.12.1797, SP – 03.11.1867], amante de D. Pedro I descende dessa família.

Família CASTRO CARNEIRO
Família de origem portuguesa estabelecida em São Paulo, para onde passou Bento de Castro Carneiro [c.1691, Freguesia de N.S. da Boa Viagem de Massarelos, Porto, Portugal].

Família CASTRO E COSTA
Família estabelecida no Maranhão, que passou para o Amazonas, na pessoa do cap. Nicolau José de Castro e Costa [1833, São Luiz, MA], filho de João Pedro de Castro e Costa e de Luiza «de Castro e Costa». Deixou numerosa descendência, em Manaus (AM).

Família CASTRO E GAMA
Importante família estabelecida no Pará, que, por seus mais variados casamentos, nas principais famílias da região, originou diversos grupos, mais conhecidos por seus duplos sobrenomes. Teve princípio em Agostinho Brandão de Castro [c.1785]. A família Castro Martins do Pará descende da família Castro e Gama.

Família CASTRO LEÃO
Importante família estabelecida no Pará, à qual pertence Hugolino de Castro Leão [c.1860 – d.1920].

Família CASTRO LIMA
Família estabelecida na Bahia, à qual pertence o cap. Manuel de Castro Lima [c.1834, BA – 1885], filho de Antônio de Castro Lima e de Guilhermina Rosa.

Família CASTRO NOVO
Família originária da Itália estabelecida em São Paulo, para onde passou Vítor Antônio de Castro Novo [Nápoles – 1658], filho de Renato de Castro Novo e de Loaisa.

Família CASTRO NUNES
Família estabelecida no Rio de Janeiro. A união dos dois sobrenomes teve princípio no Dr. João Francisco Leite Nunes [cas. por volta de 1887, com Teresa da Conceição de Castro]. Há outra família com este sobrenome estabelecida em Pernambuco, à qual pertence Agostinho Luna de Castro Nunes.

Família CASTRO PEREIRA
Família da Bahia, procedente do cap. Francisco de Castro [c.1582 – 1645, BA].

Família CASTRO QUEIROZ
Antiga família de Minas Gerais, que teve princípio em Severino Barbosa de Castro.

Família CASTRO RABELO
Família estabelecida na Bahia, à qual pertencem o Dr. João Batista de Castro Rebello e outros. Um dos ramos dessa família estabeleceu-se no Pará.

Família CASTRO E SILVA
Antiga e importante família originária das ilhas portuguesas estabelecida em Aracati, Ceará, para onde passou o cap.-Mor José de Castro Silva [1709, Ilha de S. Miguel]. Um dos seus ramos passou para o Piauí (Valença), na pessoa de Elesbão de Castro e Silva, nat. do Ceará.

Família CASTRO MENEZES
Ramo da família Castro e Silva, do Ceará. Importante família do Ceará. A união dos dois sobrenomes teve princípio no cap.-Mor José de Castro Silva (2.º) [1749, Aracati, CE – 1807], filho de outro José de Castro Silva (1.º), patriarca desta família Castro e Silva, do Ceará.

Família CASTRO E SOUZA
Família de origem portuguesa estabelecida em Minas Gerais, que teve princípio no Alferes Joaquim de Castro e Souza [c.1792, Portugal]. Deixou descendência em São João Del Rei, Minas Gerias. Há, no Rio de Janeiro, outra família com este sobrenome.

Família CASTRO VASCONCELOS
Ramo dos Pereira de Vasconcelos, de Minas Gerais. A união dos dois sobrenomes teve princípio no tenente-coronel de Cavalaria, Felipe Joaquim da Cunha e Castro [c.1783, Vila Rica, MG -1841].

Família CASTRO VIANA
Família estabelecida em São João Del Rei (Minas Gerais), que teve princípio em Marcos da Silva, nat. de Portugal, que deixou descendência de seu casamento, c.1747, com Maria de Castro. Há no Ceará, a mesma família com esse nome que teve início com o português capitão-mor Antônio de Castro Viana.

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Por que teria José de Castro e Silva adotado um nome tão diferente dos seus antepassados?

A maioria das pessoas, até o final século IX, usava apenas um nome. Entretanto, a realeza, nobres, sacerdotes e alguns burgueses usavam mais de um nome (nome e sobrenome) que serviam como referência da linhagem do indivíduo. Quando a população começou a aumentar, os nomes não eram mais suficientes para distinguir indivíduos homônimos. E aí surgiu um problema que foi parcialmente resolvido com a adição de informações descritivas ao primeiro nome da pessoa. Esse processo levou dois ou três séculos. Somente após o início do Concílio de Trento (1546 a 1563) é que o Papa tornou obrigatório os registros paroquiais a fim de relacionar nomes de crianças com pais e padrinhos. Esses registros eram feitos nas igrejas que realizavam o batismo.

Não é possível precisar um século ou um ano exato em que ocorreu a adoção de sobrenomes. Contudo, percebe-se que os sobrenomes portugueses originados sobretudo após o final do século X sofreram diversas influências, sendo quatro delas mais comuns. Essas quatro influências classificam os sobrenomes em patronímicos (relativo ao nome do pai ou de ascendentes de família), toponímicos (geográfico), descritivos (alcunha ou apelido) e ocupacionais (profissão). Por exemplo, João filho de Zebedeu é classificado como patronímico, enquanto que João de Aveiro, ou seja, João da vila Aveiro é um toponímico. O nome João Magro, baseado na qualidade de magro, é classificado como descritivo ou apelido, enquanto João Sapateiro, baseado na profissão, é classificado como ocupacional.

O primeiro indivíduo com sobrenome Castro que se tem notícia é Rodrigo Fernandes de Castro, “El Calvo” (1100-1143), senhor de Castro Xerez. Então seu sobrenome é classificado como de influência geográfica tendo sido tomado da vila Castro Xerez. Foi um homem rico e um dos mais influentes magnatas do século XII no Reino de Castela e Leão. Dele descendem quase todos os Castro da península Ibérica.

A primeira linhagem dos Silva é bem antiga e provém dos Godos. Pelaio Guterres da Silva (1000 – ?) foi um nobre medieval de Portugal, tendo sido senhor da Torre Silva e do Castelo de Alderete. Seu sobrenome também é classificado como de origem toponímica. Contudo, José de Castro e Silva, genearca da família no Ceará não descende dessas linhagens. Então, qual a razão de ter adotado os toponímicos Castro e Silva?

Se José de Castro e Silva tivesse adotado o sobrenome do pai, Manoel Dias da Ponte, seus descendentes teriam um outro nome de família (Ponte). Se inserisse o sobrenome da mãe, o nome de família poderia ter sido Lopes da Ponte ou Feijó da Ponte. Seu pai, Manoel Dias da Ponte, casou com Maria Lopes Feijó em 1702 na Vila da Ribeira Grande, Ilha de São Miguel, Açores.

O avô por parte de pai de José de Castro e Silva chamava-se Manoel Dias da Ponte Paião. O padrinho de batismo de seu pai, Manoel Dias da Ponte, foi José da Silva, mancebo solteiro, como atestava o assentamento paroquial e concunhado do seu avô. Moravam na mesma vila e essa possível proximidade fez com que José da Silva mantivesse vínculo estreito com a família do seu concunhado, a ponto de ser escolhido como padrinho do filho deste. Assim, a melhor suposição para explicar a origem do nome do açoriano José de Castro e Silva é que seu pai tenha escolhido o nome como uma homenagem ao seu padrinho.

Mas permanece por esclarecer a inserção do toponímico Castro no sobrenome. Manoel Dias da Ponte teve um irmão chamado Antonio Dias da Ponte que casou em 1701 com Thereza da Costa Columbreiro. Este casal teve uma filha que veio a se chamar Thereza Clara de Castro, portanto, prima de José de Castro e Silva. Qual a razão do surgimento desse novo toponímico? A explicação talvez esteja no patronímico Columbreiro, onde o sobrenome Castro aparece em vários membros dessa família.   

Essas são as explicações mais plausíveis sobre o motivo dos pais de José de Castro e Silva terem adotado esse nome para o filho, tão diferente dos seus antepassados. Aqui no Ceará, os descendentes do açoriano José de Castro e Silva formaram uma família numerosa, com força política e financeira, juntamente com a família Alencar, que influiu nos destinos da Província, principalmente no período de 1800 a 1850.

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Preço na Curva versus Preço de Mercado – 2ª Parte

No artigo anterior vimos a aplicação de juros compostos para cálculo do montante ou preço na curva. Este artigo trata do valor de mercado ou preço de mercado do título quando a venda (resgate) é realizada antecipadamente.

 

O preço a mercado ou preço de mercado nada mais é que o preço atual do título, ou seja, o valor de mercado do dia. A fórmula de cálculo do preço de mercado (P) para um título do tesouro prefixado é dada por:

P =           VV            .

         (1+Taxa)DU/252 

,

onde VV é o valor do título no vencimento, Taxa é igual a taxa anual contratada e DU é a quantidade de dias úteis até o resgate (*).

 

Por exemplo, suponha a compra de um título prefixado (LTN) em 01/04/2021, com vencimento em 01 de abril de 2023 (2 anos até o vencimento). Suponha também que a taxa de juros anual pactuada foi de 10% a.a. e que o título será carregado até o vencimento, quando o valor a ser recebido será de R$ 1.210,00. Usando a fórmula anterior, o preço de mercado atual (P) é de:

P =           1210             =        1210      .  1210   = R$1.000,00

         (1+0,10)504/252        (1+0,10)2           1,21


Este é o valor pago no dia 01/04/2021 pela LTN. Agora se variar a taxa de juros no denominador (parte debaixo da fração da fórmula), de acordo com as taxas de mercado, e também os dias úteis até o vencimento, então o preço de mercado (P) será maior ou menor que R$ 1.000,00.


Agora suponha que decorrido 6 meses da compra do dia 1º de abril de 2021, ou seja, no dia 01/10/2021, a taxa do título subiu para 20% a.a., porém o vencimento continuou o mesmo da compra anterior. Se houver uma nova compra em 1º de outubro, a quantidade de dias úteis entre essa nova compra e o vencimento será de 378 dias (1 ano e 6 meses). Usando a fórmula anterior o preço de mercado do título caiu para R$ 920,50 aproximadamente. Fazendo os cálculos:

P =           VV              . =          1210             =        1210      . =  1210   = R$920,50

        (1+Taxa)DU/252         (1+0,20)378/252        (1+0,20)1,5       1,314


Sabendo que a taxa do título promete agora uma taxa de 20% a.a. e não mais de 10% a.a. inicialmente pactuada, deve-se vender o título ou não para contratar um novo título com rentabilidade maior? Em outras palavras, se o valor de mercado do título cai, devido a um aumento da taxa de juros, deve-se ou não vender o título? Claro que não.

Perceba que se vender o título que foi comprado em 1º de abril de 2021, o investidor terá uma perda de R$ 79,50, devido à diferença entre o preço de compra e o de venda (R$ 1.000,00 – R$ 920,50). Se após a venda, o investidor quiser comprar o mesmo título com essa nova taxa contratada muito maior, de 20% a.a., ele terá um ganho de R$ 289,50, carregando o título até o vencimento. O resultado dessa operação foi um ganho de R$ 289,50 menos a perda de R$ 79,50, que gera um resultado final de R$ 210,00. No entanto, observe que esses R$210,00 representam o mesmo ganho que o investidor teria se não tivesse vendido o título comprado em 1º de abril e o tivesse carregado até o vencimento.


Vale lembrar que na venda do título o investidor terá de que pagar os impostos e taxas. Para simplificar, no exemplo acima esse pagamento não foi considerado. Porém, se o investidor vendesse o título para contratar o mesmo título a uma taxa muito maior, no caso 20% a.a., ele teria prejuízo, considerando o pagamento dos impostos e das taxas no momento da venda antecipada.


Por outro lado, se a taxa de juros cair para 5% a.a. após 6 meses da compra, ou seja no dia 01/10/2021, e o vencimento continuar o mesmo da 1ª compra (01/04/2023), o preço de mercado do título em 1º de outubro subirá para R$ 1.124,60, havendo um ganho de R$124,60 em relação ao valor de R$1.000,00 da compra do dia 1º de abril. Fazendo os cálculos:

P =           VV              . =          1210             =        1210      . =        1210      .  = R$1.124,60                         (1+Taxa)DU/252        (1+0,05)378/252        (1+0,05)1,5       ´   1,07593

O ganho na marcação a mercado (R$ 124,60) foi maior que o ganho teórico na marcação a curva que foi de R$ 48,81 após 6 meses (ver cálculo no artigo anterior).

Resumindo, quando o preço na curva estiver maior que o preço de mercado, isto implica em obter uma rentabilidade menor que a contratada, se vender o título neste momento. Se o preço de mercado estiver acima do preço na curva, significa que a sua rentabilidade está maior do que a rentabilidade contratada. Em outras palavras, caiu a taxa de juros, venda o título para obter ganho. Subiu a taxa de juros, não faça nada e deixe o título ir até o vencimento.

(*) para cálculo utiliza-se o ano com 252 dias úteis


sexta-feira, 30 de abril de 2021

Preço na Curva versus Preço de Mercado – 1ª Parte

Devo vender meu título do Tesouro Direto quando a taxa de juros sobe ou quando cai? Este artigo vai te responder.

Quando o governo gasta mais do que arrecada de impostos, taxas, etc, ou ele deixa de pagar os compromissos (calote) ou toma emprestado da sociedade. A segunda alternativa obriga o governo a criar uma dívida pública. Essa dívida é realizada quando ele vende títulos públicos e é extinta quando devolve aos que lhe emprestaram o mesmo montante acrescido de juros numa data futura. Geralmente os títulos públicos são comprados por pessoas físicas, bancos, fundos de investimento, etc.

A taxa de juros que incide sobre o valor "emprestado" (preço de compra) ao governo é acertada no momento da compra do título do Tesouro Direto. O investidor recebe o montante, valor de compra mais juros, no prazo acordado, se e somente se, o título for carregado até o seu vencimento. Caso o título seja vendido antecipadamente, o preço será o valor de mercado que é determinado pela taxa de juros vigente no dia da venda. Resumindo, todos os dias o título pode mudar de preço, já que as taxas de mercado mudam e as datas para o vencimento também, e isso afasta a possibilidade de se conseguir a mesma rentabilidade.

O valor do título, disponível no site do Tesouro Direto (https://www.tesourodireto.com.br), considera as variações de taxa e o prazo para o vencimento. Quando o título é resgatado antecipadamente, ele é atualizado de acordo com o preço que é negociado no mercado naquele momento, procedimento conhecido como marcação a mercado.

Quando se leva (carrega) o título até seu vencimento, o montante recebido ou preço na curva será o valor nominal pelo qual se pagou o título na contratação multiplicado por 1 mais a taxa de juros elevada no tempo, isto é, os juros compostos são aplicados sobre o capital inicial ou valor nominal (VN). Este procedimento é chamado no mercado financeiro de marcação na curva de juros. A fórmula do montante (M) é dada por:

M = VN(1+Taxa)n,

onde n é o tempo em anos, meses ou dias se a Taxa for dada em anos, meses ou dias.

Por exemplo, se o valor nominal do título (valor de compra) é de R$ 1.000,00 e a taxa de juros é de 10% a.a. (ao ano) pelo prazo de 2 (dois) anos, então o montante a ser recebido, ou seja, o valor do título pela curva de juros no vencimento será de R$1.210,00. Fazendo os cálculos: 

M = VN(1+Taxa)n = 1000(1+0,10)2 = 1000(1,10)2 = 1000x1,21 = R$1.210,00

Vale ressaltar que essa metodologia de calcular o valor do montante pelos juros compostos é válida somente se o investimento (título) for resgatado na data do vencimento.

Teoricamente, o preço na curva também pode ser calculado por uma fórmula semelhante a anterior, modificando apenas a potência (elevado a potência n), mas sempre com a mesma taxa contratada e variando os dias úteis até o vencimento. Essa variação dos dias úteis, sempre com a mesma taxa contratada, fornecerá o preço na curva antes do vencimento. O exemplo anterior pode ser representado por um gráfico cartesiano no qual o eixo X representa o tempo e o eixo Y o preço na curva. A reta que une os pontos 1.000 e 1.210 nesse gráfico contém o preço na curva ao longo do tempo (X). Neste caso, o valor de n (potência) é substituído por DU/252, onde DU é a quantidade de dias úteis (*). Usando o exemplo anterior, se a venda fosse realizada 6 meses após a compra (126 dias úteis), o cálculo encontraria um ponto na reta igual a 1048,81, ou seja, M = 1000(1+1,10)126/252 = R$1.048,81. Portanto, teoricamente haveria um ganho de R$48,61 em 6 meses.

A marcação pela curva de juros não tem efeito real para resgate na data atual, antes do vencimento. O cálculo realizado no exemplo anterior não se aplica na prática quando se vende o investimento antecipadamente. Esta variação acontece devido à ocorrência de oscilações na taxa de juros, além de outros fatores macroeconômicos que afetam a economia, podendo melhorar ou piorar ao longo do tempo o valor do titulo. No próximo artigo veremos a marcação a mercado.

 

(*) para cálculo utiliza-se o ano com 252 dias úteis