domingo, 11 de abril de 2021

Os filhos do Padre

Até meados do século XVIII, o Estado controlou a atividade eclesiástica na colônia por meio do padroado. Após a elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal, o Estado através do Imperador continuou a nomear os padres mediante decreto para as paróquias. O padre que assumia em caráter permanente uma paróquia era chamado de vigário colado. Muitas vezes, localidades distantes da Capital não tinham sequer um vicariato. Quando surgia um, o padre era auxiliado por pessoas, normalmente mulheres, nas atividades do dia a dia, tanto na Igreja quanto em casa. Essa proximidade proporcionou que a lei do celibato fosse constantemente transgredida em quase segredo. O fato de um padre ter um filho não o impedia de continuar o sacerdócio. A transgressão da lei do celibato se tornou frequente no Ceará, a ponto de o Bispo de Pernambuco enviar uma autoridade eclesiástica para investigar e repreender padres infratores.

No Ceará não era raro um padre ter um filho. No segundo quartel do século XIX, até o Presidente da Província do Ceará, o padre e senador José Martiniano Pereira de Alencar (1794-1860), teve com uma prima que tomou por companheira, 13 filhos, dentre eles, o grande escritor cearense José de Alencar. O padre Pedro José de Castro e Silva não foi exceção, se uniu ao amor de uma mulher e teve oito filhos.

Segundo consta, o Padre Pedro era um homem abastado; possuía fazendas no interior do Estado do Ceará e em Fortaleza, o sítio São Sebastião, referido por Gustavo Barroso em um de seus livros, além de várias casas espalhadas pela cidade. Foi vigário colado da cidade de Barbalha/Ce no período de 1842 a 1863, quando viveu maritalmente com Tereza de Jesus Maria (1820-1879), e de onde nasceram oito filhos: Deodato José (primogênito), João Baptista, José Antônio e Antônio Jacob, os homens; Filomena Nomeriana (Filó ou Didinha), Eutiquina (D. Sinhá), Francisca Leonilia (Chiquinha) e Sabina, as mulheres.

Deodato José (meu bisavô) nasceu em 23/07/1847 na cidade de Barbalha/Ce. Foi professor de instrução pública e coletor da cidade de Aquiraz/Ce no ano de 1872. Nos anos seguintes foi designado pelo Serviço de Instrução Pública para ensinar em várias localidades do Ceará. Em 1880, com a morte de sua avó, Rita Angélica de São Francisco, herdou uma casa na Praça da Igreja Matriz de Aquiraz/Ce, onde residiu até o seu passamento. Com o falecimento prematuro de sua mulher, Genuína Gadelha, ocorrido por volta de 1890, entregou seus três filhos à cunhada (tia Dina Gadelha) para criá-los. Foi eleito para o Conselho (vereador) da Câmara de Aquiraz em 1892. Em 1893 aceitou emprego remunerado e, por isso, deixou a Câmara Municipal. Faleceu em fevereiro de 1898 de aneurisma da aorta torácica.

João Baptista, assim como todos irmãos, nasceu na cidade de Barbalha/Ce, mas não se sabe a data. Não casou, mas consta que vivia com uma moradora, chamada Umbelina, com quem teve dois filhos. Possuía uma Fazenda no Baú (distrito de Acarape/Ce), parada da estrada de ferro que fica próxima a cidade de Guaiúba/Ce. De lá enviava lenha para o gasômetro de Fortaleza situado ao lado norte da Santa Casa de Misericórdia, na rua da Ladeira. Em 1880 publicou em um jornal local de Fortaleza que seu nome, a partir daquela data, seria somente João de Castro e Silva, retirando o Baptista.   

Sobre José Antônio não se sabe se casou ou se manteve solteiro. Nasceu em 07/08/1854, também em Barbalha/Ce. Trabalhou durante alguns anos como caixeiro em alguns estabelecimentos de Fortaleza e, por essa época, teve dois filhos. Depois, não se sabe o porquê, foi para a Amazônia durante o auge do Ciclo da Borracha, por volta de 1900. Faleceu no Acre em 08/07/1910 com quase 56 anos de idade. 

Antônio Jacob, o caçula dos irmãos, nasceu em 1864. Casou-se com uma sobrinha, Tereza Leonilia (Tété), filha de sua irmã Filomena Nomeriana e desse consórcio nasceram oito filhos, dois homens e seis mulheres. Antônio Jacob trabalhava na Fazenda Criancó em Acarape/Ce, do seu pai Padre Pedro, e por lá constituiu uma outra família com uma moradora. Desse conúbio teve mais uns três filhos, no mínimo. Os filhos naturais nascidos na Fazenda sempre ajudaram o pai nos trabalhos da propriedade e, por isso, vieram a herdá-la (ou apropriar-se), tendo transmitido o patrimônio aos seus descendentes. Consta que Antônio Jacob era um homem muito trabalhador e disposto. Foi vítima de um acidente na fazenda, quando a teve a mão esmagada pela moenda de cana. Procurou socorro em Fortaleza, tendo vindo de trem, e aqui teve o braço amputado por procedimento cirúrgico realizado em casa de sua irmã, Francisca Leonilia, à Rua General Sampaio. Uma manhã do ano de 1910, a família foi sobressaltada com notícia infausta. Antônio Jacob foi encontrado morto; havia se suicidado, por enforcamento, em sua residência, à Rua Senador Pompeu.

Filomena Nomeriana (Didinha) casou com um cidadão português, Antônio Manoel da Costa (1835-1902), comerciante, tinha uma casa de comércio (bazar) à Rua Floriano Peixoto, ao lado da atual Caixa Econômica situada na Praça do Ferreira. Atrasou-se nos negócios, tendo falido no final do século XIX. Faleceu de um carcinoma numa glândula do pescoço. Teve sete filhos, quatro homens e três mulheres, uma delas minha avó por parte de pai. Meu pai conheceu a Didinha (assim ele a chamava) já um pouco caduca, sentada numa cadeira de balanço na sala de jantar de sua casa, à Rua Senador Pompeu. Sempre que ele a visitava, nas tardes de domingo, pedia a benção e ela somente se queixava do desassossego causado pelos netos que moravam na mesma casa.

Eutiquina (D. Sinhá) casou com um judeu alemão, Albert Roth, joalheiro que tinha uma loja de consertos e venda de joias, bem próxima da Praça do Ferreira. Albert aqui chegou, junto com o irmão Jacob, por volta de 1865. Anos depois publicou em um jornal local a sua disposição de pagar todos os credores de seu irmão falecido e assim o fez. D. Sinhá teve quatro filhos, três homens e uma mulher. Por volta de 1890, o marido resolveu retornar para Alemanha com a mulher e uma filha, pois os negócios não prosperaram após o advento da República. Albert morreu, no trem, em uma viagem que faziam e Eutiquina passou a morar com a filha, Lina, casada, em Hamburgo. Aqui no Ceará ficou um dos filhos que era músico (maestro) e que anos depois foi morar no Rio de Janeiro. Sabe-se que os filhos sabiam português, como se vê em um cartão remetido por um dos filhos em 1904, o que faz supor que todos nasceram no Brasil. Eutiquina vivia na Alemanha com a renda de aluguel das casas que possuía em Fortaleza. Certa vez retornou ao Brasil por ocasião da 1ª Grande Guerra para vender algumas de suas propriedades. Tomou o último navio que saiu de Hamburgo para o Brasil, antes do início da guerra. Aqui ficou hospedada no Hotel Central, onde antes estivera o casarão do comendador Antônio Machado, o único da cidade a ter três pavimentos até o início do século XX. Este sobrado foi demolido em 1928 para construção do primeiro edifício de 8 andares, o maior prédio do Brasil de alvenaria, que abrigou o antigo Hotel Excelsior. Hoje este edifício permanece fechado desde a morte de seu último dono (húngaro Emílio Hinko).

Francisca Leonilia (Chiquinha) casou com Nabor Fernandes de Mello, passando a assinar Francisca de Castro Mello. No início de 1900, ocorreu a separação do casal e ele passou a morar no Rio de janeiro onde veio a falecer em 1908. Tiveram três filhos, sendo que um deles (a filha mais nova) cedo enviuvou e foi morar com a mãe juntamente com seu filho (portanto neto de Chiquinha) que sofria de paralisia cerebral. Em torno de 1930, Francisca Leonilia resolveu sair do Ceará em virtude de um namoro entre sua filha viúva e um homem casado. Vendeu a casa á Rua General Sampaio e mudou-se para Recife onde passou a residir na Várzea, Rua Azeredo Coutinho no. 113. Durante umas férias nos anos de 1940, meu pai a visitou neste endereço e, já caduca, ela insistia que a levasse de volta para o Ceará. Coincidentemente morei nesta mesma rua, bem próximo da casa onde ela morava, no ano de 2000, quando cursava meu doutorado. Há muito já tinha falecido, assim como a filha e o neto.   

Pouco se sabe sobre a filha mais nova do Padre Pedro. Meu pai conheceu Tia Sabina (assim ele a chamava) já viúva, com quatro filhas. Durante muitos anos uma das filhas, hoje já falecida, assim como todas as outras, visitava semanalmente minha avó, foi quando a conheci. Essa filha teve vasta descendência resultante do seu casamento com o espanhol, Efren Gondim, que veio a ser dono do Palace Hotel localizado na Praça do Passeio Público, hoje Praça dos Mártires. 

Abordaremos no próximo artigo estórias e “causos” do Padre Pedro.

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